quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O grito do olhar

Ontem, 2 de novembro, fui numa pizzaria que fica aberta de madrugada com um casal amigo meu. Ao chegar na porta, havia uns três rapazes bem sujos e que perambulavam por aquele horário em busca de algum trocado ou de mais um pedaço de pizza. Dei de cara com um, de uns 16 anos, com o nariz cortado e pés bem sujos, pedindo uma sandália para protegê-los. Eu não tinha sandália naquele momento, mas dei um trocado e confesso ter deixado meu coração envolvido por um sentimento de dó, de indignação de um tanto de coisa que seria incapaz de transcrever por meio de palavras. Ao me despedir do menino, eu lhe fiz um elogio: fique com Deus e saiba que você é um rapaz muito bonito. Logo ele me respondeu, com uma educação espontânea e grave tristeza no olhar de cortar o coração: “a senhora também é muito bonita”, e uma vergonha que o fez fitar o chão. Dei as costas ao menino e fui embora com os olhos marejados.

A beleza impactante dos olhos do rapaz com a situação de humilhação humana foi capaz de me trazer à tona os sentimentos mais miseráveis que poderia sentir: o de pena, indignação e impotência diante das injustiças do mundo.

A situação me fez recordar de uma das mais belas e famosas fotografias , me remetendo diretamente àquele momento, que de alguma forma revelou o fascínio pela dicotomia: beleza e tristeza. A foto lembrada é da refugiada afegã Sharbat, na época, com 17 anos, que, por motivos também impactantes a tornara famosa. O olhar penetrante de Sharbat, captada pela lente de McCurry, foi capaz de transmitir ao mundo uma série de emoções. E o olhar ofuscante do triste menino sujo da pizza, foi, por um momento relâmpago, captado por mim.

Quem é essa mulher?

“Ela é o grito
De todos que pedem
Pelo fim dos conflitos
Que arrasam os povos!

Ela e o tipo
De olhos bonitos
Da bela afegã
Na tristeza dos povos!”

Everaldo Nóbrega

(Fabiana Carvalho)

Nenhum comentário:

Postar um comentário