terça-feira, 13 de julho de 2010

O fim de um patrimônio


Um patrimônico histórico derrubado. Senti não só necessidade, como obrigação de escrever sobre a mudança de ponto do Gate’s e minha decepção sobre o fato. Gente, o Gate’s é a cara de Brasília, ou melhor, era. Com mais de três décadas de existência se tornou um fenômento de longevidade da capital, recebendo prêmios consecutivos da Veja como o “Melhor lugar para dançar”. Agora, muda de lugar, se transforma, e leva com ele a influência, repertório do antigo Gate’s, e uma fachada igual, mas que não traz a verdadeira essência.

Falo de história, de energia, do ar que só o antigo Gate’s tinha. Gostava porque tinha a projeção do sentido do que é viver em Brasília. Olha, não troco Brasília por lugar nenhum do mundo, mesmo sem objetivar precisamente a razão. Um céu aberto encantador que insiste em me prender. Além disso, como diria Clarice: “Brasília é a imagem de minha insônia, vêem nisso uma acusação; mas a minha insônia não é bonita nem feia – minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto”. E o Gate's é um fruto histórico e cultural da insônia planejada. Um habitat construído do extravasar de desassossegos de domingos e terças chatas.

Todo aquele contraditório de breu com pessoas ao ritmo do melhor som, já era esperado antes de entrar. E isto seduzia sua clientela cativa recebida, ali, por simpáticos vendedores ambulantes de cerveja gelada a um terço do valor, na porta, e que trazia de brinde o ar misterioso convidativo que dizia “Entre! Hoje tá cheio.Tudo pode acontecer. (Ou não...)” caracterizando a genuinidade do pub e aguçando a curiosidade do que já se sabe.

Tudo mudou. E o convite se foi. E lá se foram também aquelas paredes esquisitamente pintadas com texturas alaranjadas e, outras, paralelas, enegrecidas e rompidas por janelas com grades , uma espécie de jaula ou sei-lá-o-quê que separavam e uniam pessoas, umas das outras; às vezes delas com elas mesmas. E que me faziam sentir estranhamente bem. Sei lá, aquilo me trazia uma sensação de estar presa na minha própria liberdade. Assim que me sentia lá, assim que me sinto em Brasília, assim que me sinto em mim.

Agora visitei um tal Gate's meio pop, bonitinho, bem mais transitável, mas não senti, não me senti. Sou a favor de mudanças, desde que tenham um propósito evolutivo, o que penso não ter sido o caso. Aquela sensação intransportável era, de fato, o maior patrimônio do Gate's tradicional. E como tudo que me toca na vida, já deixou saudades.

Fabiana Carvalho

Um comentário:

  1. A história do Gates se confunde com a nossa, dos brasilienses que por muito tempo tiveram naquele divertido inferninho a sua única opção de lazer... Que dó de imaginar que a "alma" do Gates se perdeu com a mudança de local. Tanta coisa boa já rolou ali, né? Adorei o post, amiga. Traduz o sentimento de todas nós, sócias do antigo pub. Beijos

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